Nascido e criado no Porto, Ricardo Pinto Nunes sempre soube que um emprego típico de escritório não era aquilo que ambicionava ter. Apaixonado pelo Douro e pela natureza, decidiu ingressar no curso de Engenharia Agrícola, enquanto ia realizando alguns trabalhos de vindima. Foi, então, que Ricardo descobriu que a enologia seria o caminho certo e decidiu embarcar numa aventura pelo mundo dos vinhos.

Ricardo Pinto Nunes - Enólogo

O seu percurso foi marcado por estadias em algumas das melhores regiões vinícolas do mundo. Fez algumas vindimas em Champagne (França), no Chile e, também, na Nova Zelândia. Mas somente em 2007 regressou a casa e começou a trabalhar na produção de vinhos do Porto e do Douro.

Atualmente, Ricardo Pinto Nunes é Enólogo e Diretor de Produção na Churchill’s — uma das marcas de renome mundial focada na produção do famoso vinho do Porto.

Vamos conhecer um pouco sobre a história de Ricardo? Fique por perto e acompanhe a nossa entrevista!

Como você começou na enologia?

Eu caí — mesmo — na enologia. Sou natural do Porto, nasci e estudei por cá. Quando chegou a altura de ingressar na Universidade, não tinha uma noção exata daquilo que queria realmente fazer. Apenas sabia que não queria ter um emprego num escritório fechado, com horário fixo em frente de um computador. Acontece que, na altura, tinha um amigo que tinha entrado na Universidade em Vila Real para estudar Engenharia Agrícola. Ele contou-me que o curso estava muito relacionado com vinhos e que permitia que estivéssemos em contato com o ambiente e ao ar livre. Eu achei aquilo muito curioso, além de que era um curso que tinha uma componente muito prática bastante interessante. Acabei por decidir arriscar e ingressei nesse curso também, para ver se seria algo que eu gostasse de fazer — e gostei! Entretanto, à medida que ia fazendo o curso, também ia realizando estágios de vindima para ir aprendendo um pouco mais sobre a parte prática. Foi, de fato, aí que cruzei com o mundo dos vinhos e das vindimas e percebi que era o meu lugar.

Em que lugares você trabalhou?

Já trabalhei no Douro, fiz uma vindima em Champagne (França), no Chile e na Nova Zelândia — locais onde trabalhei e vivi durante uns tempos. Desde que voltei da Nova Zelândia, em 2007, encontro-me a trabalhar na Churchill’s, onde sou Enólogo e Diretor de Produção.

Ricardo Pinto Nunes - Enólogo

Comparando com as suas experiências em vários locais, qual a principal diferença em produzir um vinho em Portugal?

Eu tive a sorte de poder trabalhar em sítios lindíssimos e fabulosos e muito orientados para a qualidade. Mas, acima de tudo, falando especialmente no Douro e em Portugal, acho que há uma ruralidade, uma tradição e um terroir que no Novo Mundo ainda é muito difícil de encontrar. No Novo Mundo, provavelmente, há uma versão mais económica e um rendimento muito maior das vinhas e da produtividade. Enquanto que no Douro, estamos a falar de uma região de viticultura de montanha em que não há rega, onde as vinhas são muito antigas e tudo é feito à base do trabalho manual. Acho que a principal diferença é mesmo a questão da tradição do local onde estamos inseridos.

Que vinhos você produz na Churchill’s? Mais Porto ou outros tipos também?

Nós na Churchill’s estamos divididos entre vinhos do Porto e vinhos do Douro. Posso dizer que a nossa produção ronda os 50-50. A Churchill’s começou por ser uma empresa de vinho do Porto, mas depois — no início dos anos 2000 — começamos também a produzir os DOC Douro.

Onde fica a vinícola da Churchill’s?

A nossa quinta principal é a Quinta da Gricha que fica em São João da Pesqueira, junto ao rio Douro. Na altura que compramos esta quinta, pretendíamos que fosse virada a Norte, com uma exposição mais fresca, e decidimos optar por esta. É uma quinta com 50 hectares que remonta a 1820. Tivemos de fazer algumas remodelações, mas mantivemos os lagares de pedra e a parte produtiva exatamente como estava. Portanto, todos os nossos vinhos do Porto ainda são feitos do modo pisa a pé e é tudo muito tradicional. A nossa intervenção é mínima, pois pretendemos respeitar ao máximo o que a terra nos dá e aquilo que aprendemos com os nossos antepassados.

Ricardo Pinto Nunes - Enólogo

E qual o seu estilo de vinho? Que tipo de vinho você gosta mais de produzir?

Eu acho que a minha escola começou por ser uma escola de vinho do Porto, na qual aprendi que — ao contrário do que muitos pensam — fazer vinho do Porto não é só doçura, concentração e potência. Aprendi que, acima de tudo, é preciso elegância e essa elegância consegue-se com boa acidez natural. Essa é uma das razões pelas quais procuramos fazer vinhos que tenham uma acidez natural, que sejam equilibrados, frescos e vibrantes. Esses são vinhos que depois, na última instância, sabem melhor e dão mais prazer a beber. Nesse sentido, eu procuro sempre fazer vinhos frescos, com boa tensão e que envelheçam bem. Além disso, como enólogo, gosto de intervir muito pouco. Acho que, acima de tudo, temos de respeitar aquilo que a natureza tem para nos oferecer.

O que é um bom vinho para você?

Ricardo Pinto Nunes - Enólogo

Um bom vinho é um vinho que me dê prazer a beber. Especialmente se for com uma boa companhia, acho que qualquer vinho é bom. É perfeito em ocasiões que podemos partilhá-lo com amigos ou família. O que eu procuro num vinho é que me dê satisfação, que seja aquilo que eu considero elegante e equilibrado. Mas, principalmente, que seja o reflexo do terroir de onde vem. É muito importante que, quando nós provamos um vinho, não seja igual a outros tantos vinhos. Para mim, é fundamental que um vinho mostre a sua própria identidade.

Tem alguma casta que você gosta mais de trabalhar?

Não tenho nenhuma casta em especial. Acho que uma das vantagens do Douro é que nós temos um património muito bom de vinhas muito velhas, e essas vinhas normalmente têm uma mistura de castas. Para mim, essa é uma das maiores riquezas do Douro. Podemos encontrar vinhas antigas com cerca de 10 a 15 castas diferentes. Quando se produz um vinho proveniente de vinhas velhas, consegue-se fazer algo sempre diferente. Agora, em termos de casta específica, a Touriga Franca é uma que gosto muito. Acho que é uma casta excepcional em termos de comportamento e dos vinhos que produz.

Durante o processo de elaboração de um vinho, qual a decisão que você acha mais difícil de ser tomada?

Acho que a elaboração de um vinho acaba por ser um processo contínuo. Tudo começa e tudo acaba na vinha. Desde a forma como se conduz a vinha, até ao momento mais perto da vindima em que temos de começar a tomar decisões relativamente à data de colheita. Essa é, talvez, das decisões mais importantes que temos de tomar. Especialmente numa região como o Douro, que tem tantas variabilidades e tantas expressões de terroir, decidir o timing certo em que se vai apanhar cada parcela é crucial para o resultado do próprio vinho.

Tem alguma história curiosa sobre algum vinho que você já produziu?

Eu acho que por trás de um vinho há sempre uma história. Eu tenho a sorte de poder fazer vinhos tranquilos como os vinhos do Porto e do Douro, e isso permite-me combinar um pouco da modernidade dos vinhos do Douro com a tradicionalidade dos vinhos do Porto. Nesse sentido, acabo por ter memórias muito boas de momentos de pisa a pé em lagares. É bonito fazer vinhos do Porto no Douro, porque é quase como se parássemos no tempo. A forma como nós fazemos vinhos na Quinta da Gricha é idêntica ao que se fazia antigamente. Ainda é tudo muito manual e a parte gira é que parece que estamos a produzir vinho há 100 anos. Num mundo tão moderno e tão apressado como esse em que vivemos, acho que isso é uma coisa especial.

Você é um apaixonado pelo Douro, não é?

Sim, sou um apaixonado pelo Douro. Acho que há regiões fabulosas, não só em Portugal, como em todo o mundo. Mas o Douro ocupa um lugar especial e acho que é uma região em que se percebe a verdadeira dificuldade do que é produzir um vinho. Além disso, é uma região difícil para crescer vinha e trabalhá-la. Estando no Douro é que se percebe a dificuldade que foi, ao longo dos anos, plantar e manter as vinhas no Douro. Muito graças a sofrimento e à resiliência das pessoas que acreditavam ser possível. Para mim, dá uma satisfação enorme perceber que se consegue fazer vinhos fabulosos nesta região.

Ricardo Pinto Nunes - Enólogo

Se você tivesse de produzir os seus vinhos fora de Portugal, que região você escolheria?

Se pudesse, acho que escolhia a Borgonha. Vai ao encontro do meu estilo pessoal de vinhos — elegantes e com uma personalidade e intensidade fabulosas. Pessoalmente, adoro os vinhos da Borgonha. Acho que são vinhos fabulosos que têm uma qualidade extraordinária.

E qual é a sua maior fonte de inspiração?

Felizmente, tenho tido a sorte de ter aprendido com pessoas que para mim são referências. Por exemplo, o John Graham é a minha referência no que toca aos vinhos do Porto e me ajudou a perceber as diferentes nuances que se consegue encontrar quando se está à procura de vinhas no Douro. Também tive a sorte de perceber um pouco sobre a filosofia por trás dos vinhos do Aurelio Montes e do João Brito e Cunha. E, depois, claro que surge a combinação com o meu próprio percurso. Ao longo da nossa carreira, vamos percebendo os vinhos de formas diferentes e vamos começando a ter atenção a outros detalhas que, no início, não eram assim tão importantes e agora acabam por ser fundamentais na forma como interpretamos o vinho no dia-a-dia. Lá está, o meu estilo pessoal é o que eu aprendo junto daquilo que eu vivo.

“É muito importante que, quando nós provamos um vinho, não seja igual a outros tantos vinhos. Para mim, é fundamental que um vinho mostre a sua própria identidade.”

Qual o seu conselho para os novos profissionais da enologia?

É preciso paciência e uma paixão muito grande por aquilo que se faz. Acho que a enologia não é aquele mundo que a juventude pensa que é. A enologia requer trabalho, decisões, pressão e exige uma presença muito forte. O maior conselho que eu posso deixar para os futuros enólogos é que não há atalhos. Há um percurso que tem de ser feito e querer saltar etapas ou achar que já não se está a aprender nada com os outros acaba por ser prejudicial. É importante não saltar etapas e fazer as coisas com calma. Temos de perceber que o vinho não é uma coisa imediata e que há um processo que tem de ser seguido.

E o que vem por aí? Quais são as novidades?

Temos algumas coisas em vista. Os monovarietais do Douro, por exemplo. Já temos um Touriga Nacional, mas estamos a pensar em criar outros vinhos para ajudar a mostrar qual é o contributo individual de cada casta para os vinhos de lote que é a força principal do Douro. E estamos sempre à procura de criar algo novo.


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