Desde muito cedo António Maçanita estabeleceu contato com aquilo que seria o seu futuro. Ainda criança, participava na produção do Vinho de Santarém, juntamente com os primos. Desde então, tem vindo a tornar-se num dos grandes nomes portugueses no ramo da enologia. Desde o início da sua formação, conta já com 22 anos de experiência e inúmeros prêmios — inclusive o Trophy International Wine Challenge que ganhou com a produção do seu primeiro vinho.

Filho de mãe alentejana e pai açoriano, Maçanita contou-nos nesta entrevista como foi o seu percurso até aos dias de hoje e sua trajetória curiosa até a enologia. Afinal, não passou tudo apenas de uma confusão no preenchimento dos formulários da faculdade. Acabou por ingressar por engano no curso de Agroindústria, mas felizmente conseguiu descobrir o seu rumo e foi conquistado pela Viticultura.

Atualmente, o enólogo está presente em três projetos diferentes: Fita Preta, Azores Wine Company e o Maçanita Vinhos, em conjunto com a irmã Joana. Para além da produção, possui também um projeto de consultoria, o Wine ID, desde 2005.

Quer saber mais? Acompanhe a entrevista e fique a par de tudo.

Como você começou na enologia?

Meu contato com vinho começou quando eu era muito novo. Meus primos faziam o Vinho de Santarém e sempre estive envolvido com uvas e vinho. Mas quando eu estava na altura da faculdade, não tinha isso em mente. Achei uma boa ideia fazer Biologia Marinha, mas um professor sugeriu que fosse para Agronomia. Acabei me enganando nos códigos quando me inscrevi e fui parar em um curso chamado Agroindústria. A partir do segundo ano tive uma disciplina de Viticultura. Um professor me incentivou e segui por essa área.

Há quanto tempo você está trabalhando como enólogo?

Entrei na faculdade em 1997, portanto já vai para cerca de 22 anos no ramo desde o início da minha formação. Em 2000 tentei plantar uma vinha nos Açores e em 2001 fui para a Califórnia, trabalhar numa adega chamada Merryvalle Vineyards. Dali fui para outra, também em Napa, e em 2003 fui trabalhar na Austrália, numa adega chamada d’Arenberg. Ainda em 2003, fizemos uma vindima na Malhadinha Nova e, em 2004, já tinha a certeza de que deveria fazer um projeto próprio. Conheci o viticultor David Booth. Tivemos uma boa empatia e eu queria conhecer mais sobre vinhas, pois tinha trabalhado sempre em adegas, então ele me deixou acompanhá-lo. Quatro ou cinco meses depois, desafiei-o a lançar um vinho em conjunto. Inicialmente, ele não queria, mas acabou por ficar entusiasmado e fizemos em 2004 o primeiro vinho, chamado Preta. Ganhamos o troféu International Wine Challenge, que somente tinha sido dado ao Alentejo uma vez antes desta.

Hoje você está em que projetos além do Fita Preta?

Em termos de produção, temos o nosso projeto no Alentejo chamado Fita Preta, um projeto nos Açores chamado Azores Wine Company e o projeto do Douro com a minha irmã, o Maçanita Vinhos. Do ponto de vista de consultoria, temos o Wine ID, desde 2005, que dá consultoria de projetos à Quinta de Santana, em Lisboa, e ao Projeto Cem Réis, no Alentejo. Eu comecei no Algarve com muitos projetos, alguns continuaram e outros não. Minha irmã hoje em dia dá consultoria ao Algarve e a um projeto do Douro que se chama R4 da Quinta de Santiago. Nossos projetos são todos Premium e de vinhos de gama média alta. São cerca de 150 vinhos diferentes todos os anos, cada vinho com uma história, uma forma de fazer e pensar.

Com tantos produtos diferentes, qual é para você a decisão mais difícil no processo todo de elaboração de um vinho?

O vinho é um conjunto de muitas pequenas decisões. Difícil não é saber o que se quer fazer, difícil é fazer. Fazer bem, não fazer atalhos e fazer tudo correto na vinha. O fator mais importante do sucesso em tudo, seja na vinha, seja na adega, é a pessoa. Posso ter uma vinha espetacular, mas se tiver um viticultor ou responsável pela vinha medíocre não serve para nada. Hoje, na equipe de vindima, são seis pessoas no turno da noite e seis no turno da manhã. São enólogos do planeta: do Brasil, do Chile, da Argentina, Bulgária, Geórgia… É preciso ter um batalhão de gente boa, muita calma e capacidade de tomar boas decisões. Não queremos que as pessoas saiam arrebentadas no dia da vindima ou da adega, se não vão começar a fazer asneiras. Isso é um dos fatores em que posso fazer a diferença. Quando isso está tratado, ando nas vinhas a provar e tenho tempo para propor outras formas de fazer vinhos. Hoje em dia, um vinho nosso tem 60 e tantas fermentações diferentes. Para que eu possa fazer isso, devemos ter o básico bem feito.

Você trabalha em várias regiões de Portugal. O que você destacaria de melhor em cada uma delas?

Esta é uma das conversas que tenho com colegas e com distribuidores e sommeliers. Gosto da definição de terroir, e de coisas que não poderiam ser feitas noutra região. Há sítios que são mais únicos ou mais copiáveis do que outros. Os Açores não é copiável, são vinhas na racha da rocha, de solo vulcânico, a 50 metros do mar. Os vinhos cheiram a conchas partidas. Não se copia isto em outra região que não tenha estas características, a salinidade, o iodo, o cheiro de proximidade ao mar que existe nos Açores… Enquanto que no Alentejo, há uma expressão francesa que gosto muito: “nós somos abençoados pelo sol”. O grande talento do Alentejo é sua maturação, riqueza, concentração e textura. Vinho de Terroir não é vinho mais ou menos maduros, mas sim vinhos que sabem de onde vêm. Os vinhos do Alentejo cheiram sol, calor. Já o Douro, são muitos Douros. Há uma potência associada às Tourigas, sempre com essa ponte da memória olfativa dos vinhos. Adoro a diversidade do Douro. Temos lá vinhos com mais de cem anos com castas que nem se sabe o que é que são. Já Lisboa tem frescor, é uma zona próxima à Serra de Mafra, com tintos mais rústicos. Eu adoro quando dizem que os meus vinhos do Alentejo não têm nada a ver com os meus vinhos do Douro. Tem qualquer coisa a ver, mas são mesmo de sítios diferentes.

“O fator mais importante do sucesso em tudo, seja na vinha, seja na adega, é a pessoa.”

Se você tivesse que produzir os seus vinhos fora de Portugal, que região você escolheria?

Eu gostos dos sítios em que eu poderia contribuir. Gosto muito do ar do litoral, o Muscadet, por exemplo, é um vinho ainda muito subavaliado, é muito interessante e com muita influência marítima. Por isso escolheria Canárias, Cabo Verde e tudo o que seja ilhas e proximidade ao mar.

Qual é o seu estilo de vinho?

Não sei se tenho um estilo. Acho que nos tintos eu gosto de maturação. O melhor fruto é o que usa a época toda e que acaba de amadurecer no final da época. Gosto de fazer o ciclo todo com a casta certa. Nos brancos gosto de frescor e acidez, mas não tenho grande preferência de frutos. Mas gosto de textura, acho que os vinhos têm que se sentir na boca, acho um bom contrapeso para a acidez. Nos tintos alentejanos, gosto de concentração e elegância.

De todos os vinhos que você já criou, qual foi o mais marcante?

O primeiro Preta foi muito importante. É impressionante como é que fiz aquilo no meu primeiro vinho. E o Preta 2004 e 2005 fiz com o conhecimento das viagens que tinha realizado. No começo não se cria, copia-se pelo menos alguém. Reuni um pouco das minhas várias experiências e tentei uma forma de fazer vinho que incorporasse isso. Não ficou mal, os novos são melhores, têm mais layers. Mas hoje tenho o luxo de poder arriscar, poder descontrair.

Você se inspira em algum enólogo?

Em muitos. Não só enólogos, como também cozinheiros, músicos… A maior parte da inspiração vem de conhecer pessoas interessantes. Em casa não tenho vinhos meus, e quando estou em restaurantes, explico o que gosto, a textura. Gosto de provar às cegas, de me surpreender. Mas sou franco com o que não gosto. As pessoas conseguem, de certa forma, trazer para dentro da garrafa o que fazem. Adoro a posição da Califórnia, há uma sede de saber, tudo é muito bem feitinho e muito bem estudado.

E o que vem por aí, quais as novidades?

As principais novidades do Alentejo vão ser esta vinha com quase 50 anos, a Tinta Carvalha, o Tamarez… É a primeira vez que faremos, já estão engarrafados e em estágio. No Douro, teremos o Folgazão, uma casta branca muito fresca. Nos Açores estamos lançando nosso primeiro licoroso, com 10 anos. Saem até o final do ano.

Ainda bem que não vamos precisar esperar muito para provar essas novidades!


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