Nascido e criado no Porto, Pedro Ribeiro iniciou a carreira de enólogo com o reconhecimento de um dos primeiros vinhos que produziu. Aos 18 anos, foi para Vila Real estudar Enologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro — essa não foi desde sempre sua primeira opção de curso, mas acabou se revelando o caminho certo.

Sua trajetória profissional começou com o Vinho do Porto, na Sandeman, Offley e Ferreira. Sua primeira safra foi na Quinta do Noval. Viajou até a Austrália em 2003, onde permaneceu na Hardys Tintara Winery até retornar a Portugal e seguir para a Herdade dos Grous em 2004, no Alentejo.

Pedro Ribeiro fez parte da equipe de enologistas da Herdade dos Grous de 2004 a 2013, deixando a casa para trabalhar na Herdade do Rocim, onde permanece até hoje. Mas foi em 2010 que seu projeto pessoal, o Bojador, começou a se desenhar.

Acompanhe a nossa conversa com Pedro Ribeiro na íntegra!

Hoje você produz vinhos em quais regiões de Portugal?

Além do Alentejo, produzo na região de Lisboa, Vale da Mata e também numa vinha na região do Douro, onde é produzido o Bela Luz. A primeira colheita é de 2017 e já saiu para o mercado. Para além disso, temos, ainda, uma joint venture de vinho verde, na região do Alvarinho, Monção e Melgaço.

Enólogo Pedro Ribeiro

Por que você escolheu a Enologia?

Durante muito tempo da minha vida quis ser psiquiatra. Rapidamente desisti da ideia porque era necessário fazer medicina e para fazer medicina eram necessárias médias muito altas. Eu não era mau aluno, mas não era um aluno muito estudioso. Depois não sei bem por que me apaixonei por agricultura, mas queria também algo criativo. Então o vinho pareceu encaixar neste ambiente de agricultura com criação e fez todo o sentido. Para além disso, a minha família do Porto também tinha indústrias de rolhas, então o vinho sempre fez parte da minha vida.

Existe uma casta que você goste mais de trabalhar atualmente?

Isso varia muito de região para região, por isso não consigo dizer uma casta específica. Por regiões, eu gosto do famoso Triple A do Alentejo, com Alicante Bouschet, nos tintos, e Antão Vaz no caso dos brancos. Do Douro, gosto muito da Touriga Franca, que produz vinhos muito interessantes. O Alvarinho, na região de Monção e Melgaço, é uma casta extraordinária e que ainda há muito para explorar. Fizemos nossa primeira experiência de Alvarinho fermentado de ânfora e produziu um vinho que eu acho muito diferente e interessante.

Qual é o seu estilo de vinho?

Meu estilo tem variado ao longo dos anos. Há 15 ou 20 anos eu adorava Priorat e hoje em dia é uma região que não me encanta tanto. Pode parecer cliché, mas atualmente talvez Borgonha ou Vale do Loire. Já os tintos da Alemanha são vinhos que me pesam cada vez mais, embora em Portugal tenhamos uma dificuldade de reproduzir esse estilo. Não é essa a intenção, mas são vinhos que gosto bastante.

Se você fosse produzir vinhos fora de Portugal, você iria para estas regiões ou tem outro lugar que te chama a atenção?

Estou muito ligado aos vinhos de ânfora e aos vinhos de talha e, se calhar, o mais lógico seria experimentar a Geórgia. Mas estive na Geórgia e não sei se me adaptaria muito bem. Gostaria de talvez experimentar na Armênia, ou num país ou região que não é habitualmente produtora de vinhos… Ou uma dessas regiões que falei, Loire ou Borgonha…

A Geórgia é onde nasceram os vinhos, onde tem os registros mais antigos…

Dizem que é o berço dos vinhos. Existem vestígios de vinhos com cerca de 8 mil anos. É um país onde a história do vinho é muito presente apesar do “cinzentismo soviético” que veio dilapidando toda essa cultura. Mas estive lá ano passado e essa cultura está a ser revivida. Em cada esquina tem um winebar ou uma loja de vinhos. É realmente muito interessante a recuperação que estão a fazer. De qualquer forma, é um país que esteve há muito tempo fechado em relação ao resto do mundo e continua. Há muito para se fazer, mas não tenho dúvida que daqui a 10 ou 15 anos vai ser uma região que as pessoas vão querer visitar e provar os vinhos, porque de fato há muito para contar.

Qual é a diferença entre produzir um vinho de talha e um vinho “normal”?

Um vinho de talha é muito mais difícil de produzir do que um vinho convencional. Você tem dificuldades em controlar a temperatura, o próprio recipiente tem questões de higienização e de fragilidade. É um vinho que tem quase tudo para correr mal. Para nós, enólogos, é um desafio, é um processo muito artesanal. Sou grande defensor dos vinhos de talha e dos vinhos de ânfora e costumo dizer que isto é um nicho e será sempre um nicho porque é muito difícil de escalar a nível industrial, por todas as dificuldades que o próprio recipiente tem. É um nicho que está a crescer, mas será sempre um nicho.

Qual o volume de vinho de talha que você produz hoje?

No projeto Rocim, com o Alentejo, Lisboa, o Douro e os Vinhos Verdes, produzimos e vendemos um total de um milhão de garrafas por ano. Os vinhos de talha, no caso da Rocim, estamos a falar de 10 mil garrafas de vinho de talha branco e 10 mil garrafas de vinho de talha tinto. No meu projeto pessoal, O Bojador, que é 100% Alentejo, é um universo de 400 mil garrafas por ano, sendo 3 ou 4 mil de talha branco e tinto.

O vinho de talha tem uma data certa para ser aberto, não é isso?

Há aqui algumas questões. No próximo sábado, 16 de novembro, teremos a abertura das talhas no Rocim. Será incrível, temos três ou quatro produtores da Geórgia, mais Austrália, França, Itália, Espanha… vai ser um grande evento, que chamamos de Ânfora Wine Day. Há uma coisa que é importante: a palavra “talha” é específica do Alentejo, ou seja, há uma certificação específica para os vinhos de talha e uma série de regras. Uma delas é que o vinho deve ficar em contato com as películas das uvas, a massa, pelo menos até o dia de São Martinho, que é 11 de novembro. Este ano calhou em uma segunda-feira, então prolongamos para o sábado, dia 16. Se você fizer esse vinho em talha ou em ânfora no Douro ou nos Vinhos Verdes e quiser chama-lo de vinho de talha não pode, porque o vinho de talha é uma dimensão protegida do Alentejo – os outros são vinhos de ânfora, em várias regiões do mundo.

Enólogo Pedro Ribeiro

O que é sinônimo de qualidade em um vinho para você?

Essa é uma pergunta interessante, muito pertinente. Um vinho de qualidade há 10 ou 15 anos não é necessariamente o que nós hoje consideramos um vinho de qualidade. Nos tintos, há 15 anos atrás, quanto mais concentração, mais estrutura, mais barrica nova você tinha num vinho, mais fruta, mais qualidade para o consumidor em geral. Isso hoje em dia mudou completamente, já não é esse o perfil de vinho que eu sinto que os mercados estão à procura. Naturalmente que existem clientes para esse tipo de vinho, mas o que eu sinto é que os consumidores e nós, enólogos, valorizamos cada vez mais vinhos que demonstrem mais a pureza da fruta e o caráter do terroir que deu origem ao vinho.

A singularidade do vinho é cada vez mais apreciada e valorizada como qualidade intrínseca do vinho. Ou seja, há 15 ou 20 anos, se calhar, ter um Cabernet Sauvignon na região do Alentejo era incrível, todos adoravam. São bons, produzem taninos numa região de clima quente, mas hoje em dia os mercados procuram mais autenticidade. Procuram as castas do país, e sobretudo as castas locais, castas que estavam praticamente extintas, como o Mureto, a Tinta Grossa, no caso dos tintos, e no caso dos brancos o Rabo de Ovelha, o Mantiolo… Uvas que nunca ouvimos falar, mas são as castas originais do Alentejo, que não produzem esses vinhos com muita concentração, cor e fruta, mas produzem vinhos com um caráter muito diferente. Se provar um dos meus vinhos de talha ou de ânfora, eles têm uma cor muito mais aberta do que se considera um tinto convencional do Alentejo, com apenas 12,5º de álcool – o que para o Alentejo é notável. São poucos, mas são feitos com essas uvas do Alentejo. Todos as outras, que apareceram e encaixaram muito bem, como Aragonês, Syrah ou Cabernet, são muito mais recentes, têm cerca de 20 ou 30 anos, e produzem bons vinhos. Mas não são da região.

Dos vinhos que você já produziu, teve algum que foi mais marcante?

Um do projeto Rocim, o Clay Aged, que chamo de um clássico instantâneo, porque foi resultado de um insight que tivemos. Tentamos envelhecer o vinho em pequenas ânforas de barro – e isto não é o vinho de talha tradicional, isto é um vinho que é vinificado cá fora e depois de envelhecer nas barricas envelheceu em pequenas talhas de barro que, de alguma forma, simulam a porosidade de uma barrica nova. Ou seja, você tem envelhecimento, tem complexidade, mas não tem o gosto da madeira. Esse vinho foi muito bem recebido pela crítica. Foi o melhor vinho do Alentejo, no top 3 logo na primeira edição que veio ao mercado, em 2015. Em 2016, voltou a acontecer a mesma coisa, mas é engraçado que é um vinho que surgiu por acaso. O fornecedor dessas pequenas ânforas me emprestou uma delas para ensaiar e eu coloquei lá um vinho que nós achávamos que faria sentido para estagiar e me esqueci completamente dele. Passado um ano, fui provar o vinho e adorei o resultado, e a partir daí começamos a fazer. Hoje em dia é um vinho muito emblemático da Herdade do Rocim, embora de produção pequena. Ele esgota em um mês assim que sai para o mercado.

Outro vinho que me deu muitas alegrias e que também tem uma história mais ou menos engraçada, foi o do meu projeto pessoal — Bojador — o vinho tinto de talha 2015. Aconteceu uma coisa surpreendente, que eu realmente não estava à espera, sobretudo quando eu era jovem. Esse vinho foi selecionado pela Jancis Robinson, que escolheu os 10 melhores vinhos nos últimos dez anos em Portugal. Do Alentejo, o único vinho escolhido foi o Bojador Talha Tinto 2015. Estava ao lado do Barca Velha, do Poeira, do Vinho do Porto da Graham’s, da Barbeito, do Soalheiro Primeiras Vinhas… ou seja, pesos pesados do vinho em Portugal. Fiquei muito surpreendido por receber o reconhecimento, principalmente por ser um vinho de um produtor que quase ninguém conhecia na altura e ainda hoje é um projeto muito focado na exportação.

Eu me inspiro na vida, no mercado, no meu gosto pessoal, nas tendências e na região onde estou, seja ela qual for.

De onde vem sua inspiração?

Eu me inspiro na vida, no mercado, no meu gosto pessoal, nas tendências e na região onde estou, seja ela qual for. Meu processo de criação passa muito pela minha memória de prova e por tentar perceber, ao chegar em uma região, o que poderia funcionar bem ou que forma de vinificação ou de envelhecimento de vinhos funcionaria. Depois, vai por tentativa e erro, vou ensaiando. Normalmente corre bem, ao longo dos anos vamos criando experiências de prova, olfativas.

Que conselho você dá para quem está começando hoje na Enologia?

Existe uma série de jovens enólogos que estão a fazer um percurso muito interessante. Esse percurso, no início, passa por viajar muito, por conhecer muitas realidades, tal como eu fiz. Na minha opinião, escolher um produtor em que eles acreditem e se identifiquem e ficar lá uma boa série de anos para crescer em conjunto com esse produtor. Acho que é a melhor maneira de um jovem enólogo se afirmar e crescer na profissão.

Quais as novidades para os próximos meses?

Meu problema como enólogo é ser demasiado criativo, estou sempre a lançar novos produtos e tenho demasiadas referências, e a minha equipe da logística está sempre a se queixar – e com razão. Mas faz parte do meu DNA e do DNA da empresa. Na Herdade do Rocim, vamos lançar um vinho em parceria com o Dirk Niepoort, que é um vinho que cai na umbrela do Nat Cool (que a Niepoort criou), que se chama Herdade do Rocim Fresh From Ânfora. É um vinho de talha, mas que ao contrário dos outros que estão seis meses em contato com a película da uva, este está apenas dois meses. Tem 11,5º de grau alcóolico, apanhamos a uva bem cedo. É um vinho bem fresco, bem leve e vem em garrafas de um litro. É algo bem diferente.

Outro projeto é o nosso primeiro vinho completamente biológico, certificado. Os nossos vinhedos na Herdade do Rocim são orgânicos, mas essa é a primeira vez que vamos lançar um vinho completamente biológico. É um Alicante Bouschet, fermentado e estagiado em cubas de cimento. Está para sair nas próximas semanas.

Depois, mais ao final do ano, vamos ter a segunda edição de um vinho em homenagem ao fundador da Herdade do Rocim, José Ribeiro Vieira. Fizemos o vinho Crônica 328, porque ele escreveu durante sua vida 328 crônicas no jornal. Na verdade, foram 327, a 328ª foi a crônica que ficou por escrever. Este vinho foi muito bem recebido pela crítica e pelo público e é uma edição muito limitada, naturalmente. Estamos a falar de 1.256 garrafas na primeira edição, que se esgotou logo. A segunda edição será o Crônica Second Botteling, de apenas 500 garrafas e ao invés de ter tido um estágio de 2 anos em barrica, teve um estágio de 3 anos em barrica e não será mais lançado, é irrepetível.

Nas edições repetíveis, vamos lançar no princípio de 2020 o nosso primeiro Grande Rocim Branco. Temos o Grande Rocim Tinto, que é o equivalente a um Grande Reserva, um vinho de qualidade superior que só lançamos em anos especiais. Nos desafiaram há um tempo a fazer um Grande Rocim Branco e é um 2018 que será lançado no início de 2020.

Do Bojador, por agora vamos manter a mesma linha. Talvez surja um monocasta. Para já, ainda não temos nada na manga.

Ficaremos à espera das novidades!


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