Enóloga apenas há quatro anos, Ana Sofia Silva nunca demonstrou interesse por enologia e pouco conhecia sobre o mundo dos vinhos. Natural de Elvas, no Alentejo, nunca sonhou que a sua vida mudasse tanto e em tão pouco tempo.

Ana Sofia - Enólogo

Ana começou por licenciar-se em Bioquímica, e mais tarde ingressou no mestrado de Biotecnologia Alimentar. Acabou por realizar a sua tese na Quinta de Cabriz, e foi nesse local que Ana começou a ficar fascinada pelo mundo dos vinhos. O processo de transformar algo tão pequeno como as uvas deixou-a intrigada e decidiu que queria aprender muito mais sobre esta área. E assim foi…

Atualmente, trocou o Alentejo pelo Douro e apresenta-se como enóloga responsável do projeto Muxagat Vinhos — uma empresa familiar situada na sub-região do Douro Superior. É lá que Ana Sofia Silva e Luís Seabra — consultor do projeto — dedicam seu tempo a engarrafar vinhos no seu estado mais puro.

Vamos conhecer um pouco mais sobre a história de Ana Sofia? Acompanhe nossa entrevista!

Como começou seu percurso na enologia?

Na verdade, eu nunca me interessei por enologia e pouco ou nada sabia sobre vinhos. Tal como alguns dos meus colegas, tornei-me enóloga por mero acaso. Quando entrei na faculdade, decidi tirar o curso de Bioquímica. Mal terminei a minha licenciatura, decidi continuar a estudar e ingressei no mestrado de Biotecnologia Alimentar. Durante o estágio do mestrado fui realizar uma vindima na Quinta de Cabriz. Foi nessa altura que surgiu o bichinho por este meio e decidi que era aquilo que gostaria de fazer para o resto da vida. Para mim, a vindima é o momento mais interessante de se assistir numa adega. É quando conseguimos ver a real transformação de uma coisa tão pequena — as uvas — em algo tão diferente como o vinho. O processo é realmente fantástico e foi, de fato, isso que me conquistou. É claro que uma pessoa pode sempre mudar de ideias relativamente ao que pretende fazer da sua vida profissional, mas foi mesmo durante a minha tese de mestrado que descobri que esta era a minha vocação. Mais tarde, inclusive, decidir realizar uma pós-graduação em viticultura e enologia para me especializar na área.

Há quanto tempo você trabalha como enóloga?

Neste momento, encontro-me a trabalhar no projeto da Muxagat, onde estou há cerca de quatro anos. Tudo começou com um simples anúncio no Facebook, ao qual respondi e felizmente fiquei com o lugar. Atualmente sou a enóloga responsável, mas parte do meu trabalho é desenvolvido em parceria com o nosso consultor — o Luís Seabra. Na verdade, sou responsável por tudo o que acontece por aqui, mas considero que estou a aprender. Tudo que relacionado com assuntos mais sérios que tenham a ver com os vinhos, acabo sempre por recorrer à ajuda do Luís.

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Autoria: C&C

Que outros locais marcaram seu percurso?

Fiz algumas vindimas em outros pontos do país, além do Douro. As primeiras vindimas que fiz foi com a Global Wines, na Quinta de Cabriz e na Quinta do Encontro. Depois, regressei à minha terra, o Alentejo, onde estive dois anos na Cortes de Cima e outro ano na Herdade de São Miguel.

Existe alguma casta que você goste mais de trabalhar?

Tendo em conta o fato de estar a trabalhar no Douro Superior e estar bastante encantada com a zona e com os vinhos, penso que a minha escolha recai sobre a Rabigato (casta branca) e a Tinta Barroca (casta tinta). A Rabigato é uma casta fantástica, nada frutada e muito floral, com uma certa mineralidade e acidez fabulosas. Já a Tinta Barroca não é tão comum, mas é a minha favorita de todos os tintos que faço por aqui. O resultado é sempre um vinho jovem que se pode beber em qualquer altura, um pouco rude e rústico, mas que depois é bastante elegante na boca. Gosto bastante de trabalhar com as duas.

Durante o processo de elaboração de um vinho, qual a decisão que você considera mais difícil de ser tomada?

A meu ver, sem dúvida que a data da vindima e a colheita é sempre bastante complicado. Por muitas maturações que façamos e por muito controlo que haja na vinha, é sempre difícil achar o momento certo para apanhar as uvas. A vinha com a qual trabalhamos é muito homogênea e facilmente pode acontecer apanharmos as uvas demasiado cedo ou tarde. Por isso, é sempre um risco muito grande. Contudo, acho que a decisão de engarrafar também não é muito fácil. Os vinhos acabam sempre por mudar durante o estágio e escolher uma data precisa para realizar o engarrafamento é uma decisão complexa. Acontece, por vezes, gostarmos mais deles enquanto estagiam e decidirmos engarrafar mais cedo, e o resultado depois não ser o esperado.

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Autoria: C&C

Na sua opinião, o que acha que pode estragar um vinho?

Penso que o excesso de madeira é um dos principais problemas. Muito facilmente, a madeira consegue mascarar um vinho e não mostrar o seu potencial. Também o equilíbrio e a acidez são fatores que influenciam muito a qualidade de um vinho. É preciso haver muito equilíbrio. Um vinho desequilibrado não torna a sua composição final muito agradável, pois vai haver sempre uma parte do vinho que se revela mais agressiva e presente. No que diz respeito aos taninos, quanto mais aveludados estiverem, melhor se revela o vinho. Por esse motivo é tão importante engarrafar no momento certo.

E qual o seu estilo de vinho?

Acho que não tenho. Por agora, ainda não considero que tenha um estilo. No que toca a bebida e a comida, gosto muito de experimentar um pouco de tudo. Gosto de provar vinhos diferentes e feitos por produtores diferentes. Aliás, tenho um handicap de não ter experimentado muitos vinhos estrangeiros e é algo que gostaria de fazer mais. Conheço muitos vinhos espanhóis, devido à questão da proximidade, mas falta-me muito a prova de vinhos de outros países. Com quatro anos de experiência enquanto enóloga, sinto que não posso dizer que tenho um estilo de vinhos. No entanto, consigo afirmar que gosto de vinhos equilibrados, acima de tudo.

Enquanto enóloga, existe algum tipo de vinho que você gosta mais de produzir?

O meu percurso na Muxagat está a ensinar-me muito. Em comparação com as vindimas que fiz em outras casas, onde era tudo mais industrial e com mais tecnologia, aqui é tudo manual e tradicional. Estou a aprender a deixar os vinhos serem — em termos enológicos — aquilo que colhemos da vinha e o mais naturais possível. Espero, um dia, vir a fazer vinhos da minha autoria e terei sempre isso em mente. O importante é deixar que os vinhos transmitam realmente as uvas, as castas e o próprio terroir. Não pretendo que sejam vinhos mascarados, mas sim deixá-los ser aquilo que eles quiserem. Obviamente que há sempre algumas correções a fazer, de modo a que sejam equilibrados, mas o meu objetivo é intervir o mínimo possível.

E tem alguma sugestão de harmonização mais curiosa que tenha experimentado?

Por acaso, nem por isso… No entanto, temos um vinho branco 100% Rabigato — o Xistos Altos — que casa muito bem com carnes. Também temos o Muxagat Riesling que acompanha muito bem pratos de sushi. Acho que estes dois vinhos são aqueles que despertam maior curiosidade em termos de harmonização.

Se você tivesse de produzir seus vinhos fora de Portugal, que região você escolheria?

Tenho um grande fascínio pela Austrália e pela Nova Zelândia e são dois países que um dia gostaria de experimentar trabalhar. Não tenho um motivo específico, mas desperta-me uma certa curiosidade a forma de trabalhar. São ambos países do Novo Mundo e, por esse motivo, são tão diferentes de Portugal no que toca aos vinhos.

Acha que existe alguma diferença na forma como o nosso mercado é visto fora de Portugal?

O fato de haver tantas castas em Portugal influencia bastante a forma como o nosso mercado de vinhos é interpretado. Acho que o problema de Portugal é o “passar a palavra”. Se um determinado produtor utilizar Chardonnay nos seus vinhos, qualquer consumidor saberá identificar que a casta em específico é francesa. Já em Portugal, isso não acontece com as nossas castas ditas tradicionais. Cabe-nos ensinar as pessoas lá fora que essas castas existem e têm todo o potencial para serem faladas e partilhadas, assim como as outras. Acho que precisamos de continuar a empenhar-nos em mostrar todo o nosso potencial.

Como funciona a produção na Muxagat? Têm suas próprias vinhas?

Na verdade, nós não temos vinhas próprias na Muxagat. A maioria das uvas que compramos são provenientes de uma vinha que pertence à família da Susana, a responsável da Muxagat. Contudo, também costumamos comprar uvas com mais idade a pequenos produtores que estejam localizados também aqui no Douro Superior. Não digo que sejam realmente vinhas velhas, pois acredito que o termo irá sofrer algumas alterações no futuro. As vinhas que estou a falar têm mais ou menos entre 30 a 50 anos de idade.

A Muxagat é, portanto, uma empresa familiar? Fale um pouco sobre sua história.

Na verdade, a Muxagat foi uma sociedade desde o ano de 2002. Somente mais tarde, em 2015, se tornou o atual projeto familiar que pertence à Susana Lopes. Atualmente, temos nove vinhos no mercado, por isso ainda somos considerados uma empresa muito pequenina. A nossa vinificação é muito tradicional, feita em pedra, e temos muito pouca tecnologia. Ainda continuamos a fazer a vinificação dos tintos em lagares e do modo mais tradicional que existe — com pisa a pé.

Ana Sofia - Enólogo

Autoria: C&C

Tem alguma história curiosa sobre algum vinho que já tenha produzido?

Sobre um vinho em específico não, mas tenho sobre uma vindima. A vindima do ano de 2017 foi uma loucura, devido às condições climatéricas. Foi um ano de muito calor e todos os produtores tiveram de começar a vindimar mais cedo do que o normal. Posso dizer que estávamos a engarrafar vinhos de outra colheita, que ainda se encontravam a fermentar, e no dia seguinte tivemos de começar a vindimar a colheita de 2017. Foi, sem dúvida, a maior loucura que aconteceu aqui na adega. Mas acabamos por conseguir fazer tudo e os vinhos até apresentaram bons resultados. Obviamente que são vinhos com mais corpo e pouca frescura, mas não podia ter sido diferente, uma vez que foi um ano de muito calor.

Qual é sua maior fonte de inspiração?

Essa é complicada… Mas acho que posso dizer que todas as pessoas com quem já trabalhei me inspiraram de alguma forma. Obviamente que o fato de estar a trabalhar há mais tempo com o Luís Seabra, acabo por me inspirar muito nele. Ele acaba por ser um pouco o meu professor e ensina-me muito. Quero continuar a aprender e sei que ele ainda tem muito para me ensinar.

“O importante é deixar que os vinhos transmitam realmente as uvas, as castas e o próprio terroir.”

Uma vez que se encontra neste mundo há tão pouco tempo, tem algum conselho que daria aos futuros profissionais da enologia?

Paciência. É preciso ter paciência e, acima de tudo, dedicação. Essas são as duas bases fundamentais para se iniciar um percurso na enologia. Além disso, diria que é preciso ter muita calma. Há alturas de muito estresse e que queremos ver tudo feito o mais rápido possível. Porém, as melhores decisões nem sempre surgem nesses momentos. Por isso, digo que é preciso parar, pensar e deixar que os vinhos sejam aquilo que querem ser. É importante fazer que o produto final demonstre a verdadeira essência do local onde se encontra. Para que isso aconteça, precisamos de ser pacientes e demonstrar muita dedicação. São muitas horas a trabalhar no mesmo local e em vários vinhos que nem sempre resultam da forma que esperamos. As frustrações também existem, mas devemos tentar tirar o melhor de cada situação e aprender com tudo isso. É muito importante que continuemos a aprender.

O que a motiva a continuar em enologia?

O querer saber mais e aprender sempre mais. Aprender sobre os nossos vinhos, as nossas castas e tentar fazer algo diferente. Quero aprender mais sobre a vinha e a dedicar-me mais a ela. Sinto que é algo que me faz falta enquanto enóloga, pois passo a maioria do meu tempo na adega. No entanto, tudo começa na vinha e, por isso, gostaria de aprender um pouco mais sobre o trabalho desenvolvido e tentar ajudar quem trabalha ali. Lá está, o meu objetivo será sempre aprender mais e tentar melhorar o máximo que consigo.

E quais são as novidades da Muxagat? O que vem por aí?

Em princípio, vamos lançar mais dois monocastas tintos. Essa será a grande novidade da Muxagat para este ano. Para além do nosso habitual portfólio, iremos acrescentar mais estes dois. Por enquanto, esta é a única novidade que temos.


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