Quem pensa que os vinhos brasileiros só vivem de Merlot e Cabernet Sauvignon está muito enganado. A diversidade de climas e solos, somada aos imigrantes e costumes de cada região, trouxeram como resultado uma variedade de castas que revelam grandes surpresas.

Só para reforçar o argumento, nossa primeira avaliação aqui no site foi exatamente sobre um vinho brasileiro, produzido no nordeste a partir de uma casta portuguesa, o Rio Sol Winemaker’s Selection Alicante Bouschet 2009, para quem quiser lembrar.

Recentemente, pudemos conferir na SBAV-SP uma palestra excelente sobre sete castas italianas plantadas no Brasil e, claro, degustamos vinhos produzidos a partir delas – muitos deles entre os melhores do país. O palestrante foi José Luiz Pagliari, enófilo e diretor da SBAV, que tem grande conhecimento sobre o mundo do vinho.

 

Um pouco de história

Uvas italianas no Brasil - SBAV/SP - Viva o VinhoA história por trás dessas castas passa pela imigração italiana do final do século XIX e início do XX, que aconteceu por conta de uma grave crise econômica na Itália.

Como explicou Pagliari, D. Pedro II ofereceu aos italianos lotes na região sul do país, que poderiam ser pagos por preços simbólicos e em prazos muito longos. Eram terras virgens, com mata nativa. Muitos vieram, trabalharam duro e criaram o que hoje são algumas das vinícolas mais famosas do Brasil.

Os principais grupos que chegaram ao país foram os vênetos (cerca de metade dos imigrantes), trentinos e lombardos. Hoje há muita participação de vênetos e trentinos nos vinhos finos brasileiros.

Uvas italianas no Brasil - SBAV/SP - Viva o VinhoComo a produção caseira de vinho fazia parte da cultura, eles chegaram ao país com mudas das suas regiões, mas o clima úmido e as diferenças de solo fizeram com que muitas plantas adoecessem e a perda foi grande. Isso fez com que os imigrantes adotassem variedades norte-americanas e híbridas, mais resistentes e adaptáveis ao clima brasileiro.

O sistema de plantio era o pergolado. Essa técnica permitia uma alta produtividade e facilitava a colheita, mas a insolação das uvas era mais baixa, prejudicando a qualidade dos frutos. Na região do Trentino ainda hoje há produtores que utilizam essa técnica, mas agora mantendo um espaçamento maior entre as plantas e realizando uma poda adequada, para que a insolação necessária possa ocorrer.

Hoje encontramos cerca de 16 castas italianas no Brasil, entre elas Malvasia, Moscato, Trebbiano, Ancellotta, Barbera, Nebbiolo, Rego, Sangiovese e Teroldego.

 

As uvas e os vinhos

Valmarino Sangiovese 2015 e Cave Antiga Sangiovese 2012A Sangiovese é a uva do Chianti, do Brunello, a mais utilizada na Itália, com cerca de 90 mil hectares plantados naquele país. É uma uva bastante antiga, desde antes do Império Romano. Não tem perfil único, depende do modo como é vinificada. Se for em tanques de inox, resulta em um vinho mais leve, mais fresco, de consumo rápido, gastronômico, com boa acidez. A madeira dá complexidade ao vinho.

Os produtores de Sangiovese no Brasil são poucos. Os dois exemplares que experimentamos são de estilo de vinificação mais leve, mais frutados – um da Valmarino e outro da Cave Antiga.

O Valmarino Sangiovese 2015 vem de Pinto Bandeira, de um vinhedo plantado há pouco mais de dez anos. Tem baixo teor alcóolico e é muito leve, com cor violácea, típica de um vinho jovem.

Angheben BarberaJá o Cave Antiga Sangiovese 2012 traz as uvas de Pinheiro Machado, na região da Campanha Gaúcha, e tem uma passagem rápida por barris de carvalho. No nariz é mais sofisticado, remetendo à madeira e com mais persistência. A cor é mais profunda que o primeiro, mostrando os quatro anos do vinho. Em uma prova de rótulo fechado, pode passar por um Chianti.

Depois da Sangiovese, a Barbera é a uva mais plantada na Itália. Ela dá acidez e cor ao vinho. A família Angheben é originária do Trentino e possui uma linha diversificada, incluindo a Barbera. O Angheben Barbera é um vinho de cor rubi violáceo, intensa. No nariz tem aromas complexos, lembra frutas negras e chocolate.

 

Barcarola Specialità Lagrein 2014A uva Lagrein veio do Trento e tem duas vinificações diferentes: uma em que tiram a casca e produz um vinho muito leve, e outra em que deixam a casca e o vinho fica muito denso – não se enxerga a mão atrás do líquido. Segundo Pagliari, a Barcarola é o único produtor no Brasil que trabalha com essa uva.

O Barcarola Specialitá Lagrein é um vinho de cor vermelho intensa e brilhante. No nariz, apresenta notas de frutas vermelhas, como framboesa, amora e um leve toque de ameixa. Tem corpo médio, acidez correta, é macio e aveludado, com taninos elegantes. Sua produção é super limitada: apenas 1.000 garrafas.

 

Barcarola Specialità Rebo 2014 A uva Rebo é um cruzamento da Teroldego com a Merlot, que tem casca bastante grossa e maturação tardia. O vinho tem como característica cor acentuada, atração no aroma e uma ponta de amargor que precisa ser trabalhada na vinificação. É outro vinho bastante intenso, com aromas de frutas maduras.

Também é produzido pela Barcarola, no mesmo local do Lagrein, no Vale Aurora, parte baixa do Vale dos Vinhedos. O vale tem esse nome porque a maior parte dos produtores era fornecedor de uvas para a Vinícola Aurora.

Singular Teroldego 2010 - Lidio Carraro A Teroldego foi identificada pela primeira vez no século XIX, no Vêneto, próximo a Verona e Trento. Ela produz vinhos com cor, estrutura e taninos mais discretos. Durante seu cultivo, é importante manter a parreira com produção reduzida, para garantir frutos de melhor qualidade.

O vinho que provamos na degustação da SBAV foi o Singular Teroldego 2010 da Lidio Carraro, cujos vinhedos ficam na serra do Sudeste. Como política da Lidio Carraro, seus vinhos não passam por madeira, somente por tanques de inox. Mesmo assim, a vinícola produz vinhos potentes e encorpados.

Esse Teroldego tem cor intensa, rubi violácea, própria de um vinho jovem, apesar dos seis anos. Seus aromas lembram frutas negras maduras, especiarias e terrosos. Na boca é estruturado, frutado, com acidez agradável e taninos firmes e maduros. Tem persistência moderada. Esse vinho tem bom potencial de guarda.

 

Singular Nebbiolo 2011 - Lidio CarraroO último tinto da noite foi o Singular Nebbiolo 2011, também da Lidio Carraro. Essa uva vem do século XIII, do Piemonte, e seu nome é derivado da neblina intensa que tem na região na época da colheita, já perto de novembro no Hemisfério Norte.

Na taça tem a coloração típica dos Nebbiolos, granada com reflexos alaranjados. Seu aroma é um misto de frutas secas com notas defumadas e doces, traduzindo a personalidade do terroir de Encruzilhada do Sul. No paladar apresenta personalidade e equilíbrio. Seus taninos firmes e maduros envolvem a boca, com final longo e persistente.

 

Cave Antiga MoscatelPara finalizar a degustação, Pagliari saiu do roteiro e serviu um bolo de laranja com o Cave Antiga Moscatel, um espumante adocicado e muito leve – uma combinação perfeita. A Moscatel é uma das uvas que mais tem se destacado no Brasil e nossos vinhos vêm sendo premiados no mundo todo.

Produzido na Serra Gaúcha com o método charmat, tem uma marcante característica frutada e floral. Na taça apresenta bolhas pequenas, persistentes e abundantes, e coloração amarelo palha. O aroma lembra frutas brancas com toques florais. Na boca possui acidez e açúcar equilibrados, deixando uma persistência sutil de notas cítricas.

Foi muito especial conhecer esse lado dos vinhos brasileiros – aqueles feitos com uvas italianas. Mais uma vez provamos, literalmente, o potencial vinícola do nosso país. Quando tiverem uma oportunidade, experimentem os vinhos que citamos nesse post. Todos eles valem muito a pena!

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